terça-feira, 11 de setembro de 2007

Conclave no Senado, Editorial da Folha.

NINGUÉM sabe se Renan Calheiros conseguirá conservar seu mandato de senador da República na votação de amanhã (hoje), mas é certo que, se o fizer, terá sido graças ao instituto do voto sigiloso previsto para os casos de cassação por quebra de decoro parlamentar.

Adicionando uma ponta de ridículo ao absurdo mecanismo constitucional da votação anônima, o regimento do Senado acrescenta a necessidade de a própria sessão ser secreta.
Como cardeais prestes a eleger o papa, os senadores se enclausurarão em sorrelfo conclave para definir o futuro de seu presidente.

É difícil até imaginar um caso mais grave de violação do contrato que deveria vigorar entre representantes e representados.
O voto secreto em plenário simplesmente retira do eleitor os meios de fiscalizar o comportamento daqueles a quem delegou sua voz e poder sufragante.
É até possível que, num passado remoto, houvesse justificativas para tal sigilo, mas elas perderam inteiramente sua razão de ser.

Nos últimos tempos, são o corporativismo e a traição aos anseios populares que têm caracterizado o instituto do voto secreto.
Prova-o o "saldo" dos últimos grandes escândalos.
Dos 19 deputados acusados de participar do mensalão -o esquema criminoso de compra de apoio parlamentar gerido pelo publicitário Marcos Valério de Souza, sob a coordenação da cúpula do Partido dos Trabalhadores-, 12 foram inocentados em plenário, quatro renunciaram antes da abertura do processo para escapar à punição e apenas três foram cassados.

Sorte não muito diferente tiveram os 69 deputados e três senadores envolvidos com a máfia dos sanguessugas, que desviou recursos do Ministério da Saúde para a compra fraudulenta de ambulâncias.
Os três membros da Câmara Alta foram absolvidos -em votação aberta no Conselho, registre-se-, dois deputados renunciaram, e os 67 restantes terminaram seus mandatos sem ser incomodados pelos processos.
Os poucos que conseguiram reeleger-se tiveram seus processos suspensos pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.

O remédio para restaurar um mínimo de moralidade no Congresso é simplíssimo: acabar com o voto secreto em plenário.
Proposta de emenda constitucional (PEC) nesse sentido já foi até aprovada em primeiro turno na Câmara.
O incrível placar pelo qual o projeto foi aprovado, de 383 a zero em votação aberta, configura mais uma demonstração de que parlamentares precisam ser submetidos a pressão para atuar de acordo com o interesse público.

Só que, contrariando a praxe da Casa, a PEC não foi encaminhada para a segunda votação, que costuma ser meramente protocolar e ocorrer poucas semanas depois do primeiro escrutínio.
Isso já faz um ano.
Prevalece aqui o instinto de sobrevivência de muitos deputados e senadores.
Apenas mediante pressão da sociedade poderá ser superada essa distorção que favorece a impunidade, ao cobrir com um manto de segredo atos de natureza pública.

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