Conclave no Senado, Editorial da Folha.

Adicionando uma ponta de ridículo ao absurdo mecanismo constitucional da votação anônima, o regimento do Senado acrescenta a necessidade de a própria sessão ser secreta.
Como cardeais prestes a eleger o papa, os senadores se enclausurarão em sorrelfo conclave para definir o futuro de seu presidente.
É difícil até imaginar um caso mais grave de violação do contrato que deveria vigorar entre representantes e representados.
O voto secreto em plenário simplesmente retira do eleitor os meios de fiscalizar o comportamento daqueles a quem delegou sua voz e poder sufragante.
É até possível que, num passado remoto, houvesse justificativas para tal sigilo, mas elas perderam inteiramente sua razão de ser.
Nos últimos tempos, são o corporativismo e a traição aos anseios populares que têm caracterizado o instituto do voto secreto.
Prova-o o "saldo" dos últimos grandes escândalos.
Dos 19 deputados acusados de participar do mensalão -o esquema criminoso de compra de apoio parlamentar gerido pelo publicitário Marcos Valério de Souza, sob a coordenação da cúpula do Partido dos Trabalhadores-, 12 foram inocentados em plenário, quatro renunciaram antes da abertura do processo para escapar à punição e apenas três foram cassados.
Sorte não muito diferente tiveram os 69 deputados e três senadores envolvidos com a máfia dos sanguessugas, que desviou recursos do Ministério da Saúde para a compra fraudulenta de ambulâncias.
Os três membros da Câmara Alta foram absolvidos -em votação aberta no Conselho, registre-se-, dois deputados renunciaram, e os 67 restantes terminaram seus mandatos sem ser incomodados pelos processos.
Os poucos que conseguiram reeleger-se tiveram seus processos suspensos pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
O remédio para restaurar um mínimo de moralidade no Congresso é simplíssimo: acabar com o voto secreto em plenário.
Proposta de emenda constitucional (PEC) nesse sentido já foi até aprovada em primeiro turno na Câmara.
O incrível placar pelo qual o projeto foi aprovado, de 383 a zero em votação aberta, configura mais uma demonstração de que parlamentares precisam ser submetidos a pressão para atuar de acordo com o interesse público.
Só que, contrariando a praxe da Casa, a PEC não foi encaminhada para a segunda votação, que costuma ser meramente protocolar e ocorrer poucas semanas depois do primeiro escrutínio.
Isso já faz um ano.
Prevalece aqui o instinto de sobrevivência de muitos deputados e senadores.
Apenas mediante pressão da sociedade poderá ser superada essa distorção que favorece a impunidade, ao cobrir com um manto de segredo atos de natureza pública.
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