Vozes na noite, por Voltaire de Souza
Beleza.
Melodia.
Emoção.
O mundo da ópera está de luto.
O tenor Luciano Pavarotti calou-se para sempre.
Dênis era adolescente e curtia rock pesado.
-Até que enfim.
Ninguém agüentava mais.
A avó dele se chamava dona Carmela.
Enxugou uma lágrima discreta.
Limpou depois com o lenço o velho disco de vinil.
-Uma última homenagem... vamos ouvir...
A violência do neto foi súbita.
Enfática.
Prorrompente.
-Dá isso aqui. Dá esse disco.
O bolachão foi quebrado em vários pedaços.
Os gritos de Carmela foram agudos.
-Assassino.
Demônio.
Desgraçado.
Partiu em cima do neto com o chinelo na mão.
O cachorro começou a latir.
A vizinhança reclamou do barulho com a polícia.
Só depois da uma da manhã a calma voltou àquele sobrado no Cambuci.
De um rádio perdido na noite densa, um som no máximo volume deu o seu recado.
-Nessun dorma... Nessun dorma...
Era a voz de Pavarotti pairando enquanto luziam as estrelas.
Fechar os olhos até que é fácil.
Desde que algumas bocas se fechem primeiro.
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